
Os múltiplos focos da violência no mundo de hoje Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer É muito difícil conceituar a violência, principalmente por ser ela, por vezes, uma forma própria de relação pessoal, política, social e cultural; por vezes uma resultante das interações sociais; por vezes ainda, um componente cultural naturalizado Os estudiosos que nos últimos tempos têm se debruçado sobre o tema, ouvindo e auscultando toda a produção filosófica, mitológica e antropológica da humanidade lhe conferem um caráter de permanência em todas as sociedades e também de ambigüidade, ora sendo considerada como fenômeno positivo, ora como negativo, o que retira de sua definição qualquer sentido positivista e lhe confere o status de fenômeno complexo. Mais que isso, em relação a ela, a soma das verdades individuais não reproduz a verdade social e histórica, e os mitos e crenças a seu respeito costumam distorcer a realidade como num espelho invertido. Hannah Arendt que possui uma das mais consistentes reflexões sobre o tema, considera que nenhum historiador ou politólogo deveria ser alheio ao imenso papel que a violência sempre desempenhou nos assuntos humanos, e se surpreende com quão pouco esse fenômeno é interrogado e investigado pelos cientistas. Engels valoriza a violência como um acelerador do desenvolvimento econômico. Mao Tsé-Tung a trata como garantia do poder político "o poder nasce do cano do fuzil”; Sartre a analisa no universo da escassez e da necessidade. Para Hannah Arendt a violência tem um caráter instrumental, ou seja, é um meio que necessita de orientação e justificação dos fins que persegue. Trata-se de um conceito multifacetário por suas características externas (quantitativas) e internas (qualitativas). E encontra sua expressão concreta no fato de que indivíduos, grupos, classes e instituições empregam diferentes formas, métodos e meios de coerção e aniquilamento direto ou indireto (econômico, político, jurídico, militar) contra outros indivíduos, grupos, classes e instituições, com a finalidade de conquistar ou reter poder, conquistar ou preservar independência, obter direitos ou privilégios. Além disso, e até mesmo por causa disso, a violência está inscrita e arraigada nas relações sociais, não podendo, portanto, ser considerada apenas como uma força exterior se impondo aos indivíduos e às coletividades, havendo, desta forma, uma dialética entre vítima e algoz, o que deve ser objeto de reflexão dos estudiosos para compreensão dessa complexa relação. Freud por sua vez apresenta várias interpretações do tema, em diferentes etapas de seu pensamento. Em primeiro lugar associa a violência à agressividade instintiva do ser humano, o que o inclina a matar e a fazer sofrer seus semelhantes. Num segundo momento a define como instrumento para arbitrar conflitos de interesse, sendo, portanto, um princípio geral da ação humana frente a situações competitivas. Numa terceira posição, avança para a idéia de construção de "identidade de interesses". É essa identidade que faria surgir vínculos emocionais entre os membros de uma comunidade humana. Os conflitos de interesses seriam mediados nas sociedades modernas pelo direito e pela lei; e a comunidade de interesses, pela identidade e busca do bem coletivo. A violência é então um problema da sociedade, que desde a modernidade o tem tratado no âmbito da justiça, da segurança pública, e também como objeto de movimentos sociais. Portanto, onde grassa a injustiça, e onde os problemas sociais não são atacados, a violência aumenta. Recentes estudos mostram que na Europa, o desenvolvimento social, a educação formal, a melhoria da situação de vida da população trabalhadora, aliada à instituição da justiça, do exército e da polícia, foram os principais fatores responsáveis pelo declínio da violência fatal. Essas mudanças que promoveram a valorização da vida são transições macro-estruturais que, ao ocorrerem, influenciaram novas formas culturais de resolver os conflitos, de inter-relações sociais, assim como novas expressões simbólicas e subjetivas de significar a violência. As altas taxas de homicídios nos Estados Unidos, contrastando com as de países europeus, indicam que outros fatores culturais de forte raiz na estrutura social podem ser responsáveis pela exacerbação da violência. Vários estudiosos assinalam o culto às armas e a questão racial como elementos fundamentais dessa situação. O costume da ação direta para defesa pessoal e do patrimônio, o elogio da força e da justiça imediata pelas armas, estão vivos naquele país. Olhando hoje aonde se encontram os principais focos de violência pelo planeta_ Oriente Médio, Iraque e mesmo a violência urbana da América Latina, sobretudo Brasil e Colômbia – vamos nos encontrar com focos de injustiça social gerando a violência. Nenhum esforço repressor ou positivo que incida sobre as situações injustas surte efeito se não for sanada a raiz injusta que corrompe e esteriliza todos os esforços de paz. Quarenta anos depois, as palavras do falecido Papa Paulo VI ainda expressam uma profunda verdade: “O desenvolvimento é o verdadeiro nome da paz”.
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